domingo, 28 de julho de 2019

Poesias, de Nelly Sachs


Olá,


O Prêmio Nobel de Literatura de 1966 foi dividido entre os autores judeus Shmuel Yosef Agnon e Nelly Sachs (1891-1970). Enquanto a escolha de Agnon foi mais uma homenagem a Israel que uma escolha estética (vide a postagem anterior), o laurel outorgado à poeta alemã naturalizada sueca rendeu tributo àquela que é considera a maior voz da poesia em língua alemã depois de Stefan George (aliás, várias vezes candidato ao Nobel). Na breve exposição de motivos para a premiação, a Academia Sueca foi certeira ao destacar a potência da obra de Nelly Sachs, cujo prêmio foi concedido "pela sua excelente escrita lírica e dramática, que interpreta o destino de Israel com um toque de força". 

A força desta poeta vem, justamente, do autorreconhecimento de seu papel na História do século XX. Nascida em Berlim de pais judeus, a escolha da língua alemã como expressão nem sempre foi bem acolhida pelos círculos literários judaicos, sobretudo após a Shoah. Sachs defendia-se sempre lembrando que os judeus são por excelência um povo disperso e errante, sendo o alemão sua língua literária por uma questão puramente geográfica. Para além disso, sua obra retrata o martírio de Israel de um ponto-de-vista bastante pessoal e tragicamente construído pelo arbítrio dos acontecimentos. Em 1939 ela escreveu à célebre e influente escritora sueca Selma Lagerlöf (Nobel de 1909), solicitando asilo político para ela e sua mãe. A resposta positiva chegou em 1940 e no mesmo dia em que era expedida a ordem de transferência das duas para um campo de concentração, elas embarcavam num avião em direção a Estocolmo, onde a poeta viveu até 1970, ano de sua morte. E o fato de ter escapado do Holocausto nazista não fez dela uma escritora omissa ao drama de seu povo. Tanto que, como veremos, é deste sofrimento indelével que se alimentou sua produção poética ao longo dos tempos.

Para esta postagem, li a única tradução em língua portuguesa disponível da poesia Nelly Sachs, a antologia Poesias, vertida diretamente do alemão pelo dramaturgo português Paulo Quintela. Cobrindo praticamente todas as fases de sua obra, ela é aberta com três poderosos poemas daquela que é a obra mais conhecida de Sachs, Nas moradas da morte (1946). Escrito já no exílio sueco, o livro foi produzido sob o impacto das notícias vindas da Alemanha e do resto da Europa sobre os assassinatos em massa ocorridos nos campos de concentração. Dentre os milhões de vítimas, estavam parentes da poeta, bem como seu noivo. Em memória dele, Sachs escreveu "Orações para o noivo morto", cujo primeiro poema reproduzo abaixo:

A vela, que em lembrança tu eu acendi,
Fala com o ar a fala trêmula das chamas,
Caem-me lágrimas dos olhos; lá da campa ouvi
Como em pó por vida eterna chamas.

Ó alto encontro no quarto da pobreza,
Inda se eu soubesse os elementos entender;
Explicam-te, pois tudo sempre e com firmeza
Te explica; eu nada senão chorar posso fazer.
(p. 55)

Utilizando-se da forma clássica em quartetos rimados (ABAB, CDCD), o poema abriga a dor pungente pela morte do amado em seu mimetismo através da evocação do elemento essencial da destruição: o fogo. Simbolizando tanto a chama da vela acendida em rito de prece, como as labaredas dos fornos crematórios, destino de grande parte dos judeus confinados aos campos de extermínio, o fogo aqui ultrapassa seu sentido sagrado para representar a morte/oração, esse elemento dúplice diante do qual também é dupla a impotência do eu-lírico. Incapaz de trazer de volta à vida aquele que morreu martirizado, também ele não consegue na oração uma compreensão das dimensões e ressonâncias desta mesma morte, diante da qual a poeta é categórica: "eu nada senão chorar posso fazer". A inversão da sintaxe (que é uma das marcas da poética de Nelly Sachs) pode, na linha de que a obra de arte traz em seus momentos formais o horror dos tempos (Adorno), ser compreendia como a própria inversão da ordem natural das coisas: em lugar do amor, a morte; em lugar do casamento, as chamas; em vez da prece marital, a oração fúnebre em memória de um morto ausente, tornado em "pó por vida eterna" em razão do Holocausto. A morada do amor passa a ser a morada da morte, não só aquela experimentada pessoalmente por Nelly Sachs, mas também pela morte de muitos dos membros desgarrados do povo de Israel que ela representa com sua potência poética.



Outro exemplo da reconstrução poética da dor provocada pelo extermínio do povo judeu está presente no livro Fuga e transfiguração (1959). Sem títulos, os poemas gravitam em torno dos signos que, mesmo depois do Holocausto e do abrigo (ainda que precário) oferecido aos judeus pelo fim da guerra e a criação do Estado de Israel, perseguem a poeta: a morte, a noite, o ato de fugir, a memória e os elementos da religião judaica são mesclados num amálgama poético que, para evocar o comunicado da Fundação Nobel, confere "o toque de força" à tentativa de recomposição da vida daqueles que ficaram, mesmo que profundamente marcados pelos trágicos eventos de duas décadas atrás:

Assim fugi eu da palavra:

Um pedaço da noite
de braços abertos
só uma balança
para pesar fugas
este tempo de estrelas
afundando em pó
com as pegadas impressas.

Agora é tarde.
O leve sai de mim
e também o pesado
os ombros já voam
como nuvens para longe
braços e mãos
sem gesto de levar
Fundo-escuro é a cor da nostalgia sempre
assim a noite toma
de novo de mim posse
(p. 164)

Inicialmente, temos a fuga ("assim fugi eu da palavra") como mote, metaforizada por alguém que abraça noite e sua liberdade em face dos julgamentos ("só uma balança para pesar fugas"). O eu-lírico experimenta um sentimento de absoluta leveza ao metaforizar o ato de despir-se da(s) dor(es) que a noite é capaz de arrefecer ("o leve sai de mim / e também o pesado / os ombros já voam / como nuvens para longe"). No entanto, a noite é também traição ("Fundo-escuro é a cor da nostalgia sempre") e a metamorfose (a transfiguração) da dor para a leveza revela outra vez o império da noite, que toma posse do corpo do eu-lírico como uma memória do sofrimento.

A poesia de Nelly Sachs, ainda que centrada no rememoramento da dor (que é a sua e também a do outro), é também uma poesia da partilha, do abraço e do acolhimento daqueles que sofreram e sofrem as terríveis chagas propiciadas pelo desacordo entre os homens. Tanto que sua voz, ainda que fale tanto de si e de seus mortos, é uma voz coletiva, como podemos ler, por exemplo, na dolorosa série de poemas Coros para depois da meia-noite (1946), em que as vozes daqueles "que se salvaram", dos "órfãos", das "sombras" e até mesmo daqueles "que ainda não nasceram" entoam um cântico que é em tudo universal, como é universal a dor entre eles compartida. Essa atitude ética de abarcar a alteridade sofredora acompanhou toda a escrita desta sobrevivente. Num de seus últimos poemas (da série Enigmas em brasa, 1964), ela faz questão de revelar a presença da multidão em seu parco quarto (Sachs foi extremamente pobre a vida inteira) na cidade de Estocolmo, onde dois anos depois receberia merecidamente o Prêmio Nobel de Literatura:

No meu quarto
onde está minha cama
uma mesa, uma cadeira
o fogão de cozinha
ajoelha-se o Universo como em toda a parte
para se salvar
da invisibilidade 
(p. 241)

Salvar o outro da invisibilidade foi o fado desta poeta excepcional que parece ter escapado das moradas da morte especialmente para esta missão. Grata pela salvação - recebida por ela como uma graça em meio à noite do Holocausto -, ela foi uma pessoa generosa. Logo após o anúncio de que tinha sido laureada com o maior prêmio literário do mundo, os jornalistas acorreram ao seu minúsculo apartamento com as perguntas de praxe, principalmente qual seria a destinação da volumosa soma em dinheiro que o Nobel traz consigo. Em vez de pensar em si e ter um final de vida mais confortável, sobretudo para uma mulher que foi sempre muito pobre, sua resposta foi uma profissão de fé de de sua dedicação ao outro: ela respondeu que estava alegre principalmente pela possibilidade de, agora rica, poder retribuir a uma velha amiga em Dresden pelo auxílio recebido à época de sua fuga da Alemanha e que agora vivia miseravelmente naquele país. Melhor exemplo não há para radiografar o páthos de uma mulher que dedicou uma vida inteira a escrever não como quem fugiu, mas como quem foi poupada do Holocausto para dar voz àqueles que, infelizmente, não foram. 

Jorge Verly

Referência da leitura: SACHS, Nelly. Poesias. Trad. de Paulo Quintela. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1975. 

terça-feira, 23 de julho de 2019

Noivado e outros contos, de Shmuel Yosef Agnon



Olá,


Ao contrário dos prêmios científicos, o Nobel de Literatura raramento é dividido entre dois ou mais autores. É tradição da Academia Sueca escolher apenas um escritor para recebê-lo anualmente, o que é facilmente compreensível pela natureza da categoria literária em face das demais: enquanto os prêmios de Física, de Química ou Medicina geralmente recaem sobre descobertas coletivas (daí serem premiadas duplas ou trios de cientistas), o de Literatura é outorgado a uma produção literária em particular ou a um gênio criativo específico, não cabendo quase nunca a divisão do laurel. Digo quase nunca porque, embora seja tradição (e é lugar-comum dizer que as tradições servem, entre outras coisas, para seu descumprimento), o Nobel de Literatura foi dividido entre dois autores em quatro ocasiões: em 1904, em virtude de um empate entre Fredéric Mistral e José Echegaray; em 1917 (os dinamarqueses Karl Gjellerup e Henrik Pontoppidan) e 1974 (os suecos Eyvind Johnson e Harry Martinson), para homenagear autores do mesmo país; e em 1966, para laurear dois autores de origem judaica. Neste ano em particular, os escolhidos foram a poeta alemã naturalizada sueca Nelly Sachs (de quem falarei na próxima postagem) e o escritor israelense Shmuel Yosef Agnon (1888-1970), para quem o Nobel foi atribuído "por sua arte narrativa profundamente característica com motivos da vida do povo judeu". 

Praticamente desconhecido do público leitor de hoje, a escolha da obra de Agnon foi saudada à época como um duplo tributo, tanto aos judeus que há pouco mais de duas décadas haviam sido brutalmente massacrados na Shoah, como ao também recente Estado de Israel, de quem o autor foi o primeiro e até hoje único premiado. No Brasil, muitos de seus livros foram traduzidos após sua premiação em 1966, especialmente pela Editora Perspectiva e seu editor, o também judeu Jacó Ginsburg, e ainda podem ser encontrados em sebos e bibliotecas. Escolhi como leitura de sua obra o livro Noivado e outros contos, uma reunião de textos (mal) traduzidos por Rachel de Queiroz a partir de versões em inglês (e não do hebraico, idioma de expressão do autor). É preciso logo dizer que Agnon, se comparado a outros autores, agraciados ou não com o Nobel, tenha destacada a sua pouca "estatura" literária: a repetição de motivos e enredos nos contos do livro chega a ser incômoda e seu estilo narrativo poucas vezes ultrapassa o convencional - em parte, concedo, em razão da tradução truncada e pouco cuidadosa. No entanto, é preciso também destacar a abordagem feita em sua obra da cultura judaica que, ao mover do foco para além da questão do Holocausto e centrá-lo nas tradições místicas e nos hábitos e costumes dos novos habitantes da Terra Prometida, revela o jogo entre tradição e modernidade: as personagens de suas histórias são geralmente aqueles que, após 1948, migraram massivamente para a Israel, onde se viram obrigados a conviver com as regras milenares da Torá e as novas perspectivas de um mundo cada vez mais global. Sendo um lugar de reconstrução de vidas destroçadas pelo Holocausto, Israel também se configurava como um espaço para conflitos de geração, reavaliações da fé e desencontros amorosos, umas das temáticas centrais dos contos do livro, como veremos.

O conto "Na estrada", que abre o volume, narra a experiência de um judeu (que tem o mesmo nome do autor) que, por uma "contingência ferroviária" (um defeito na locomotiva impede uma viagem) às vésperas do Ano Novo, vê-se obrigado a caminhar e vai parar numa comunidade judaica de língua alemã em algum ponto não nomeado da Europa Central. O reduzido grupo de velhos judeus vive numa pobreza extrema ("com tão poucos recursos, os filhos partiam para as cidades grandes e levavam consigo as irmãs, e mandavam buscar os pais para assistir às suas bodas", p. 59) e carrega as marcas da sobrevivência pós-Shoah. Ainda assim, eles mantêm os hábitos e costumes milenares da fé mosaica, insistindo, mesmo em meio ao turbilhão na História, na manutenção de suas tradições.




Já a narrativa "Agunot" retrata uma infeliz história de amor que tem como contorno as rigorosas leis do divórcio entre os judeus: na tradição hebraica, a palavra agunot é traduzida como "acorrentada" e refere-se à mulher que deseja a separação de um marido ao lado do qual é infeliz, mas permanece acorrentada a ele, pois na lei da Torá o direito de permitir ou não o divórcio pertence apenas aos homens. O conto tem como centro quatro personagens: Dinah, a virgem filha de um milionário que emigrou para Jerusalém; Ezekiel, seu prometido esposo, um instruído judeu polonês; Ben Uni, um artesão encarregado pelo pai de Dinah da confecção de uma suntuosa arca que guardaria as escrituras na sinagoga construída em honra da sabedoria do genro; e Freidele, a amada de Ezekiel que ficara na Polônia e que é apenas referida no texto, embora sua presença em parte impeça a felicidade conjugal dos noivos. Quando a arca fica pronta, o artesão desaparece misteriosamente e Dinah, enamorada de sua bela voz (ele tinha por hábito cantar melodiosamente enquanto trabalhava), atira a peça pela janela. Embora o rabino da comunidade a perdoe e celebre o matrimônio, o casal é profundamente infeliz, como que tocado por uma maldição:

"O bobo convidava à dança os mais severos e eles se organizaram no círculo ritual para ovacionar a noiva e o noivo. Mas o lindo par estava tomado por uma tristeza que cavava um fosso entre dois e lhes separava os cotovelos. E não se aproximaram um do outro a noite inteira, nem sequer na reclusão da alcova nupcial. O noivo ficou a cismar num canto, os pensamentos o arrastando para longe. Pensava na casa de seu pai, em Freidele, cuja mãe cuidara dele e do pai quando morrera sua santa mãe. E Dinah cismava a outro canto, seus pensamentos correndo para a Arca e seu artífice, que desaparecera da cidade sem que ninguém soubesse para onde fora." (p. 92)

Sem conhecer o paradeiro de Ben Uni, a moça sofre acorrentada (a agunot) ao melancólico e casto matrimônio. Até que o marido chama o rabino e o casamento é desfeito, sendo Dinah finalmente liberada das tristes correntes. Mas é aí que a "maldição" passa do ex-casal para o rabino, que tem frequentes sonhos com o exílio. Interpretando-os como um destino a cumprir em nome do liberado casal, este resolve partir e vagar pelo mundo como forma de expiação da infelicidade que recaiu sobre Ezekiel e Dinah, sobre Jerusalém, sobre a própria Terra Prometida. Numa nova e inesperada camada de interpretação, o "rabino errante" revive o mito do Judeu Errante, o desafortunado sapateiro Asvero, condenado por Jesus a vagar pelo mundo até o final dos tempos. Detentor do segredo da Arca derrubada (que é uma metáfora do casamento infeliz), ele assume os pecados alheios e por eles paga. Paga também, arquetipicamente, pelos pecados de todos os judeus, personificando o destino andarilho de Israel.

Destaco também os contos "A metamorfose", em que um casal descobre, no dia do divórcio, a ternura perdida ao perambular pela noite mágica da Terra Prometida, e "O divórcio do médico", no qual o narrador remói as lembranças de um casamento desfeito por desmedidos ciúmes da esposa (outra Dinah, o que nos remete ao mito da irmã de José que, violentada por Siquém, personifica o destino infeliz da mulher judia). Já "Noivado", narrativa que fecha o livro, é um longo (e um tanto aborrecido) conto sobre Jacob e Susan, casal que depois de passar por percalços (sete donzelas cobiçam o jovem judeu) finalmente se reúne em matrimônio.

Estes pequenos fragmentos de leitura dos contos de Shmuel Yosef Agnon revelam sua quase obsessão pela temática da (in)felicidade conjugal sob as luzes da tradição judaica. Mais que um escritor judeu, ele foi um escritor do século XX. Sem ser especialmente dotado de uma força narrativa capaz de sustentar sua obra ao longo dos tempos (tanto que, como disse, seus leitores foram escasseando nas décadas que se seguiram à premiação com o Nobel), Agnon trabalhou de forma justa com os recursos de seu tempo e pintou-os com as cores da tradição de Israel. Assim, se levarmos em conta que a Academia Sueca quis, em 1966, homenagear aquele país, seu povo e sua convivência com os costumes dos novos tempos, o objetivo foi - ainda que sem o devido rigor estético - de alguma forma cumprido. 


Jorge Verly


Referência da leitura: AGNON, Shmuel Yosef. Noivado e outros contos. Trad. de Rachel de Queiroz. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1973. 


terça-feira, 16 de julho de 2019

Casa sem dono, de Heinrich Böll


Olá, 


Em 1972, o Prêmio Nobel de Literatura retornou, após 43 anos, à Alemanha. Uma Alemanha agora divida: o último laureado (ninguém menos que Thomas Mann em 1929) ainda representara o país pré-Muro de Berlim. Dessa vez o escolhido foi um representante da parte Ocidental, o romancista Heinrich Böll (1917-1985), a quem o Nobel foi concedido "pela sua escrita que, através da combinação de uma perspectiva ampla sobre seu tempo com uma habilidade sensível de caracterização, contribuiu para a renovação da literatura alemã". Este breve comunicado da Academia Sueca explicava, em parte, as razões para tão longo hiato, pois, ao classificar Böll com uma renovador da prosa daquela agora dividida nação, os acadêmicos asseveravam que entre Mann e ele nada havia acontecido de significativo nas letras germânicas. Exageros à parte, a premiação do autor de A honra perdida de Katharina Blum fez muito mais justiça ao esforço narrativo particular do autor nascido em Colônia que à literatura alemã propriamente dita. Dono de um estilo enxuto, compositor de narrativas permeadas por frases secas, curtas (o que lhe valeu muitas vezes uma comparação com a prosa de Ernest Hemingway, laureado em 1954), Böll pode ser considerado o cronista perfeito da(s) Alemanha(s) do pós-guerra, representada(s) por ele em todo o seu grau de culpa pela barbárie nazista, mas nem por isso isenta de hipocrisias e de juízos de valor ocultados pela máscara de uma civilização em reconstrução.

O livro aqui escolhido para um (breve) exame das narrativas de Böll é um dos pontos altos de sua obra, felizmente bastante traduzida para o português. Falo do romance Casa sem dono (1954) e que traz ainda bem abertas as feridas causadas no povo alemão pela guerra. Embora bastante interessado na construção psicológica de seus personagens (e são muitos os que povoam as páginas do romance, conforme veremos), não podemos afirmar que o livro tenha um protagonista, uma personalidade que domine o enredo ao longo de suas mais de 300 páginas. Aliás, há sim: a casa dos Holstege. Enriquecido graças à venda de geleia durante as duas guerras mundiais - as latinhas em que o produto vinha acondicionado, com as iniciais do patriarca da família, E. H., são descritas como povoando campos de batalha espalhados por toda a Europa -, o que restou do clã vive no imenso casarão repleto de quartos e cujo centro, em vez da sala, é uma enorme cozinha onde as personagens fazem suas refeições e também as suas confissões. A casa é uma mímese da própria situação da Alemanha no pós-guerra:

"A casa estava cada vez mais deteriorada, apesar de que não faltava dinheiro para mantê-la em bom estado. Mas ninguém se preocupava em fazê-lo. O telhado estava estragado e Glum se queixava de que a grande mancha escura do teto de seu quarto ia crescendo. Quando chovia muito caía água do teto e então, nunca súbita atividade, todos correiam ao sótão para por um alguidar sob a goteira. Glum ficava tranquilo durante algum tempo, mas a duração de sua tranquilidade dependia do tamanho do alguidar e do ímpeto ou frequência da chuva: se o recipiente era pouco fundo e chovia muito e seguido, a tranquilidade de Glum logo acabava, porque o alguidar transbordava e crescia a mancha escura do teto de Glum. Então colocavam um recipiente maior debaixo da goteira. Todavia, logo se notaram esses mesmos defeitos no quarto de Bolda e no aposento vazio, que havia sido o dormitório do avô. Um dia caiu um pedaço do reboco do banheiro. Bolda recolheu os pedaços e Glum preparou uma mistura de gesso, areia e cal e besuntou a viga com ela." (p. 113)


Ou seja, imensa, mas em franco processo de desintegração, ela é uma maquete em menor escala da nação fracionada e que, como ela, abriga um grupo diverso de pessoas, membros da família ou agregados. Há a avó, a matriarca e chefe do clã depois da morte do avô e que, ao contrário deste, conduz os negócios de modo ausente e exótico, interessando-se mais pelas comidas extravagantes que consome (um vitória sobre sua infância pobre) que pelo acontece no mundo que a rodeia. Há sua filha, Nella, viúva de guerra e que vive a cultuar a memória do marido morto, Raimund (ou simplesmente Rai), um poeta promissor que resolveu seguir para a guerra como protesto, um heroico arroubo que acabou (de certo modo voluntariamente) lhe custando a vida. Há Martin, menino de pouco mais dez anos, filho de Nella e Rai e que cresce naquela casa, perdido entre a saudade de um pai que mal chegou a conhecer e a ausência de sua mãe. Há também "tio" Albert, assim reputado pelo menino, o melhor amigo do pai e que, depois de enviuvar na Inglaterra, retorna à Alemanha para ajudar Nella a cuidar do menino,  ambos vacilando entre o ressentimento e numa possível ligação amorosa, tão frágil quando a existência na Alemanha depois do horror da guerra. Há Bolda, uma ex-freira e também viúva, amiga de infância da avó e que, entre as refeições exóticas que prepara, remói toda uma vida que não aconteceu. E há Glum, um judeu-russo empregado da fábrica que, depois de sofrer as piores torturas num campo de concentração nazista, é acolhido pela família, tornando-se um dos "donos" da casa.



Em torno dessa família em tudo marcada pela tragédia, gravitam os Brielach: Heinrich, melhor amigo de Martin e seu colega de escola; sua mãe viúva, a Sra. Brielach, Leo (atual companheiro da mãe, homem distante e cruel) e Wilma, a filha pequena do casal. Há também o pasteleiro, patrão da Sra. Brielach e com quem ela vislumbra a possibilidade abandonar Leo em troca de uma modesta ascensão social. Assim como Martin, o pai de Herinch também morrera na guerra, porém em circunstâncias não esclarecidas (seu corpo sequer foi encontrado), o que impediu a Sra. Brielach de reivindicar pensões e obrigando-a a viver numa situação de extrema pobreza. Embora não vivam na casa dos Holstege, esta família partilha com eles o amargor da perda e o fardo de precisar continuar seguindo com a vida. Temos também o Padre Willibrod e o professor Schurbigel, literatos e antigos amigos de Rai, que bajulam Nella, voejando em torno dela e da poesia do falecido marido que, após sua morte, ganhou uma aura profética quase sobre-humana. E há Gäseler, o homem que, comandante de Rai durante guerra, é considerador pela família o responsável por enviá-lo a uma missão suicida. Contra ele, Nella, a avó, Albert e até mesmo o pequeno Martin nutrem um desejo de vingança terrível que, como se verá ao final da narrativa, resulta tão impossível quanto culpabilizar cada cidadão alemão pela catástrofe perpetrada por Hitler.

Como já entrevisto, dois fantasmas compõe este já volumoso rol de personagens. Raimund Bach e o Sr. Brielach, pais de Martin e Heinrich, ambos mortos no absurdo da guerra, representam para os que ficaram vivos, cada qual a seu modo, a perda e também a evidência de sua derrota. Se para os filhos eles se manifestam como o exemplo da mais inexorável orfandade, para suas mulheres eles são tanto a interrupção do amor (Nella) ou a sentença de uma vida miserável (Sra. Brielach). Além disso, a morte dos maridos joga as duas mulheres para fora das convenções sociais e as mergulha em uma vida marginal: enquanto Nella passa a receber no casarão, noite após noite, tipos duvidosos que, sob o pretexto de cultuar a obra de seu marido, consomem sua comida, sua bebida e sua atenção, a Sra. Brielach vê-se obriga a pular de homem em homem na tentativa de manter algum tipo de lar, ainda que precário, para seus filhos. E quando Martin e Heinrich ouvem o pasteleiro referir-se a ela como "imoral", intrigam-se com a palavra e suas possibilidades de significação, ignorando o real sentido atribuído pelo homem, o de uma mulher que está "fora" das regras morais socialmente aceitas numa sociedade hipócrita que, há pouco mais de uma década, assassinou em massa milhões de judeus. 

Em Casa sem dono tudo é alegórico, mas finamente trabalhado pela prosa em parte exasperada de Böll. Frases repetidas, sentenças curtas, conclusões irônicas e pensamentos inteiros ocultos nas entrelinhas do texto reforçam o caráter de clausura que é viver na casa dos Holstege e naquela Alemanha de brechas ainda não cicatrizadas. Por isso, o que se diz e o que se pensa é curto - mas abriga, no interdito, uma cordilheira de sentimentos não resolvidos, de impasses ainda por solucionar. Que a narrativa, ao final, não soluciona. Eis a grandeza do romance: é inútil tentar recompor aquilo que a guerra destruiu, pois as mortes dos dois homens pôs um incontornável ponto final em tudo. Aqueles que ficaram, os habitantes da casa sem dono e também aqueles que orbitam em torno dela, apenas seguem como espectros, como os alemães por muito tempo seguiriam (e talvez ainda sigam) depois do absurdo representado pela calamidade nazista, como lemos na invectiva de Nella contra o desejo de Albert de usar a obra de Rai como libelo contra os resquícios do nacional-socialismo na Alemanha:

" - Acredita que vou passar a vida como guardiã de trinta e sete poemas? Quando a Martin, você sabe cuidar dele muito melhor que eu. E não quero voltar a casar, não quero ser mãe sorridente dessas revistas ilustradas, não quero voltar a ser a esposa de ninguém: não tornará a apresentar-se nenhum homem como Rai, e Rai não voltará. Deram-lhe um tiro - e me deixaram viúva - em nome de .átria - .oado - ührer - E Nella imitou o eco que fazia a capela batismal, cheio de falsidade e ameaça, de falsa ênfase, seminarista." (p. 187)

Este e outros trechos (como aqueles em o professor de Heinrich e Martin classifica-os como "crianças de 1943", feitas às pressas nos acampamentos nas poucas folgas de seus pais dos campos de batalha) pontuais do romance evocam textualmente o nazismo. Mas mesmo sem ser diretamente referida, essa catástrofe pode ser sentida pelo leitor a todo o momento como um miasma que emporcalha, deteriora e corrói as vidas, o futuro e, claro, o casarão do qual é protótipo, como o motor-propulsor da melancolia que  pinta suas paredes (e todo o resto) com suas dolorosas tintas.

Este romance duro - um tentativa potente de rever os impactos humanos de um passado àquela época ainda muito vivo, como vimos - sozinho justificaria a escolha do autor para o Nobel de 1972. Para nossa sorte, no entanto, muitas e muitas obras há para comprovar a grandeza e a urgência da prosa Böll em tempos que, como os que ele viveu, permanecem repletos de dor, de fantasmas e de orfandade. Resta-nos, tal como a lição de outro alemão preocupado com os ecos da barbárie nazista, Theodor W. Adorno,  saber como utilizá-los como ferramenta para uma elaboração libertadora do passado.

Jorge Verly.

Referência da leitura: BÖLL, Heinrich. Casa sem dono. Trad. de Ebréia de Castro Gonçalves. São Paulo: Círculo do Livro, 1976. 

domingo, 14 de julho de 2019

Elogios, de Saint-John Perse


Olá, 


O vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1960 foi, assim como o de 1959, um poeta. Um caso raro de escritores laureados em sequência e que se expressaram exclusivamente no gênero poético. Em 1959 o ganhador foi o italiano Salvatore Quasimodo e, em 1960, o laureado foi Saint-John Perse (1887-1975), poeta francês nascido em Guadalupe, um território da França nas Antilhas. Cidadão do mundo em virtude de seu cargo de diplomata (do qual foi destituído em 1940 pelo governo colaboracionista do Marechal Petáin), Perse residida em Washington quando o prêmio foi anunciado, exercendo a função de conselheiro da Biblioteca do Congresso Americano. Aliás, o Nobel daquele ano foi acolhido com surpresa por parte da crítica pelo mundo afora, uma vez que os poemas do autor francês eram considerados muito herméticos e distantes do ideal de universalidade defendidos por Alfred Nobel em seu testamento, no qual instituiu as regras para, entre outros, o prêmio de literatura. Por seu turno, a Academia Sueca mostrou estar um passo adiante em relação à opinião de que a obra de Perse era deveras sofisticada e enigmática para figurar entre aquelas dignas de receber o Nobel, percebendo nela, por detrás de sua aparente pecha de "difícil", um dado de realidade condizente com os tempos em vivia seu autor. Basta lermos a nota em que a instituição explicou os motivos para a concessão do prêmio daquele ano: "O Prêmio Nobel de Literatura de 1960 foi atribuído ao poeta Saint-John Perse pelos voos e imagens evocativas de sua poesia, que de uma forma visionária refletem as condições de nosso tempo."

A estranheza do público e da crítica em face dos poemas de Saint-John Perse tem sua origem, penso, na questão da forma. Sem serem "poemas" à primeira vista, seus textos se assemelham mais àquilo que chamamos de prosa poética e que foi praticado ao longo de século XIX por nomes como o russo Joseph Brodsky (Prêmio de 1987) em Marca d´água e, bem antes, por Baudelaire e seu célebre Pequenos poemas em prosa. Nenhum deles ousou, no entanto, como Saint-John Perse. Sua estética é inaudita e mesmo extravagante, com versos que ultrapassam duas, três, quatro ou mesmo dezenove linhas sem quebra e cujo enjambement só vai ser conhecido ao final destas, parecendo ao leitor que ele compõe parágrafos poéticos, com recuos de texto que, na perspectiva da época, contrariavam o bom gosto, mesmo tendo a poesia moderna alcançado uma recepção mais ou menos positiva no meio literário europeu da época. Contribui para essa "estranheza" o fato de que os poetas laureados com o Nobel antes dele tinham uma dicção muito mais afinada com a tradição formal: enquanto T. S. Eliot (1948), Salvatore Quasimodo (1959) e W. B. Yeats (1923) praticavam uma poesia visionariamente moderna (embora ainda mais ou menos apegados à tradição), Gabriela Mistral (1945), Erik Karlfeldt (1931), Rabindranath Tagore (1913), Giosué Carducci (1906), Fredéric Mistral (1904) e Sully Prudhomme (1901) foram todos agraciados justamente por sua "poesia lírica". Perse é, portanto, o primeiro poeta detentor do Nobel a romper com a construção tradicional da forma, imbuído de um espírito visionário tanto na forma como nos motivos e na recomposição de imagens.

Como leitura da obra de Perse escolhi o volume Elogios, de 1910 e ainda assinado como Alexis Léger, seu nome de batismo. Dividido em três partes ("Escrito na porta", "Para celebrar uma infância" e "Elogios"), esta série de poemas recupera a infância e a adolescência de Perse nas Antilhas Francesas. Os elementos naturais do lugar ("Palmeiras! e a doçura / da velhice de suas raízes" [p. 53]) estão entrelaçados à questão fundamental da infância do poeta, da infância de qualquer ser humano: "Senão a infância, que havia que não há mais?", pergunta-verso que se repete ao longo de toda a série de poemas e que nos remete tanto à clássica temática da perda da inocência como a sua tentativa (sempre por meio da recomposição e, mais, da evocação de imagens) de reconquistá-la ao longo da vida. Tomo como exemplo o poema II da seção "Para celebrar uma infância", que reproduzo integralmente abaixo:


     E as criadas de minha mãe, altas moças luzentes... E nossas  pálpebras fabulosas... Ó
     claridades! ó favores!
     Chamando cada casa, recitei que ela era grande, chamando
cada animal, que ele era belo e bom.
     Ó minhas maiores 
     flores vorazes, entre a folha rubra, a devorarem meus mais 
belos
     insetos verdes! Os buquês no jardim cheiravam a cemitério de
família. E uma irmãzinha morrera: eu tivera (rescende) seu caixão
de acaju entre os espelhos de três quartos. E não se devia matar o
beija-flor a pedrada... Mas a terra se curvara em nossos folguedos
como faz a criada,
     aquela que tem direito a uma cadeira se a gente não sai de
casa.
     ... Vegetais fervores, ó claridades, ó favores!...
E depois essas moscas, essa espécie de moscas, lá para o último
lance do jardim, que eram como se a luz cantara!
E as criadas de minha mãe, altas moças luzentes... E nossas
     ... Lembro-me do sal, lembro-me do sal que a ama pálida
precisou limpar no canto de meus olhos.
     O feiticeiro negro sentenciava na copa: "O mundo é qual 
uma piroga, que, girando e girando, não sabe mais se o vento
queria rir ou chorar..."
     E logo meus olhos tratavam de pintar
     um mundo balançando entre as águas brilhantes, conheciam o
mastro liso dos fustes, a gávea sob as folhas, e as retrancas e as vergas,
os ovéns de cipó.
     onde longuíssimas, as flores
     se acabavam na algazarra de periquitos.
     (p. 55-56)

O que salta aos olhos é a capacidade artística de reproduzir, sob a lente poética afiada na escolha da linguagem (e, de certo modo, antecipadora do movimento surrealista, que iria eclodir na década seguinte), as imagens de uma infância marcada por experiências múltiplas: a vida abastada nas terras coloniais francesas ("as criadas de minha mãe"), a presença indelével e marcante da natureza ("flores vorazes, entre a folha rubra, a devorarem meus mais / belos / insetos verdes!"), as relações de classe entre os citoyens (os colonos) e os sujets français (os nativos) ("a criada / aquela que tem direito a uma cadeira se a gente não sai de / casa"), a morte ("cheiravam a cemitério de família. E uma irmãzinha morrera"), a presença do elemento místico das religiões nativas das Antilhas ("O feiticeiro negro sentenciava na copa") e a exuberância da natureza local ("as flores / se acabavam na algazarra dos periquitos"), tudo isso é filtrado pelo olhar o menino que (re)narra sua vida naquela parte do planeta utilizando os elementos mais sofisticados de que dispõe enquanto poeta experimentado do mundo europeu.



Nessa toada, os poemas de Elogios são permeados por uma visão quase alucinatória da experiência infantil, posto que Perse rebobina suas memórias, as memórias de um menino franco-antilhano pelo catecismo visionário do modernismo, indo um pouco além dele. Daí também a parcela de enigma que esses poemas carregam em si, representada pelo apego à presença da noite em muitos deles. Noite que é também um espaço para o confronto da infância com a inescapabilidade da vida adulta e da velhice, tal como no poema de número XV:


     Infância, meu amor, amei também bastante a noite: é hora de sair.
     Nossas amas entraram na corola das roupas... e colados às
persianas, sob nossas tranças geladas, vimos
     como lisas, como nuas, elas levantavam no alto do braço o
anel mole da saia.
     Nossas mães vão descer, perfumadas com a erva-de-Madame
-Lalie... São belos seus pescoços. Vai adiante e proclama - Minha
mãe é a mais bela! - Eis que ouço
     os panos engomados
     que arrastam pelos quartos um doce ruído de trovão... E a
Casa! a Casa?... saímos dela!
     O velhote mesmo me invejaria um par de matracas
     e o zunir com às mãos como um cipó de guizos, o bonduque
ou a mucama.
     Aqueles que são velhos na terra puxam uma cadeira para o 
pátio, bebem ponches cor de pus.
(p. 95)


Multiplicando o menino-lírico em muitos outros meninos ("Nossas mães vão descer, perfumadas com a erva-de-Madame/-Lalie"), cuja aventura, agora, reside numa saída noturna para o desconhecido ("E a Casa! a Casa?... saímos dela!"), Saint-John Perse coteja a vitalidade infantil com a decadência dos adultos, e mais, dos velhos que, em sua visão idealizada na realidade (aditivada outra vez pelos dados sensoriais que cercam essa mesma realidade) não apenas se ressentem daquela presença infantil ("O velhote mesmo me invejaria um par de matracas"), como parecem aceitar a decrepitude dessa condição: "Aqueles que são velhos na terra puxam uma cadeira para o / pátio, bebem ponches cor de pus". A escatologia, no entanto, longe de amedrontar o menino-lírico, tem o poder de reforçar a potência de sua infância e a vitalidade que ela encerra em si. Uma vitalidade que é, como lemos em praticamente todos os poemas de Elogios, o salvo-conduto para os voos do menino em direção das imagens fantásticas que ele (re)constrói a partir da empiria social que o rodeia, tal como lemos nos versos do poema XVIII, que encerra o livro: "Agora deixa-me, vou sozinho. / Sairei, pois tenho o que fazer: um inseto me espera para / tratar." (p. 101). Ou seja, enquanto o mundo se desintegra em envelhecimento e pus, o menino Perse trata de escapar para um exótico colóquio com suas imagens infantis.

Os exemplos da poética de Saint-John Perse aqui apresentados, sem pretenderem encerrar uma compreensão fechada de sua obra (afinal, quem o poderia fazer em face de um autor tão rico quanto inventivo?), demonstram a vitalidade de um poeta digno do Prêmio Nobel que lhe foi conferido. O romancista François Mauriac, conterrâneo de Perse (e vencedor em 1952), escreveu que já estava na hora da França ser agraciada com um prêmio conferido a um autor que não fosse apenas um moralista, como eram até então os laureados daquele país, incluindo ele próprio. De fato, a poesia de Saint-John Perse nada tem de moral e nada fornece de consolo ou de utopia o futuro. Seus textos são retratos da vida íntima, do universo particular de cada indivíduo, da beleza que há no mínimo e que ele, com rigor e acuidade, procura resgatar e recompor com uma lente, sim, exótica, mas altamente inventiva. Uma beleza que reside no pequeno (a mônada), como aponta o autor num dos versos do livro: "Um pouco de céu azula na vertente de nossas unhas" (p. 79).


Jorge Verly


Referência da leitura: Elogios. In: Obra poética. Trad. de Darcy Damasceno. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1973, p. 44-101.



sábado, 13 de julho de 2019

O Processo do Tenente Ieláguin, de Ivan Bunin


Olá,

O Prêmio Nobel de Literatura de 1933 foi concedido a um escritor apátrida. Ao menos, ele assim foi predicado pela Academia Sueca quando seu nome foi anunciado como vencedor da honraria, embora pessoalmente se considerasse um russo exilado na França: falo de Ivan Bunin (1870-1953), para quem o Nobel foi outorgado em razão da "habilidade artística precisa com que deu continuidade às tradições clássicas russas na prosa". No entanto, mesmo sendo considerador por Tchekhov "um igual" e - desde a publicação de A aldeia, uma de suas mais conhecidas obras - tenha figurado entre os grandes nomes da moderna prosa daquele país, as autoridades soviéticas praticamente extirparam as narrativas de Bunin da vida literária russa após a Revolução de 1917, razão pelo qual seu nome era praticamente ignorado na União Soviética quando o prêmio lhe foi concedido. A antipatia do regime comunista em relação aos romances e contos do autor tinha razão menos nas questões temáticas e mais no fato de o escritor ter emigrado para a França logo após a eclosão da revolução de outubro e da guerra civil que veio em seguida para, desde então, tornar-se um crítico do regime.

Querelas à parte, passemos a um exame da obra de Ivan Bunin. Escolhi como leitura a novela O processo do Tenente Ieláguin, publicada na França em 1931. A despeito da data de publicação e de seu contexto, a narrativa está recuada para a segunda metade do século XIX, ainda no tempo do Império. Entretanto, não há na narrativa nenhuma referência aos elementos políticos e às particularidades do czarismo que, algumas décadas depois, resultariam na tomada do poder pelos bolcheviques. Aliás, podemos dizer a "história" de O processo do Tenente Ieláguin  é a-política, a-histórica, a-militar e, por que não dizer, amoral: tudo o que nela ocorre (inclusive a política, a história, as questões militares e a própria moral) é dragado pelo trágico destino do tenente Aleksandr Ieláguin e sua amante, a atriz Mária Sosnóvskaia.


A estrutura do texto é fragmentária. Seus 14 pequenos capítulos apresentam uma multiplicidade de narradores, tempos e vozes narrativas. A história começa como se contada por um periódico local que, utilizando um adjetivo de sentido geral e de fácil compreensão e apelo ("horrível"), quisesse universalizar e dar cores dramáticas ao crime de que será objeto a narrativa: 

"É um caso horrível - estranho, enigmático, insolúvel. Se, por um lado, é muito simples, por outros é bem complexo, assemelhando-se a um romance em folhetim (aliás, era assim que todos se referiam a ele em nossa cidade) e, ao mesmo tempo, poderia servir de assunto para uma das obras de arte das mais profundas" (p. 155)

O crime complexo, simples, banal, profundo, desinteressante, mesmerizante a que se refere o narrador impessoal que começa a contar a história é o assassinato de Sosnovskáia pelo Tenente Ieláguin. Certa manhã ele irrompe no apartamento de seu comandante de regimento, o capitão Likhariev, e confessa ter matado a amante. Likhariev, que àquela hora da manhã se encontra ainda sonolento e meio bêbado, duvida de Ieláguin, pensando tratar-se de uma brincadeira do militar. No entanto, ante as insistências do infeliz, o capitão ordena a seus subordinados que procurem o chefe de polícia e, com ele, partam ao local indicado por Ieláguin, onde descobrem o corpo da atriz.  Daí em diante, o leitor é levado pelas muitas vozes que compõem a novela a vislumbrar os eventos da tumultuada relação que resultou na morte da bela mulher. Digo vislumbrar porque nada é certo ou claro no texto. Na verdade, a estratégia fragmentária escolhida por Bunin para contar a vida do casal concorre justamente para reforçar a dubiedade que é característica da obra. Aliás, tanto Sosnóvskaia quanto Ieláguin são retratados como personagens dúplices e ambíguas. Enquanto ele é visto por suas cartas (que também fazem parte da narrativa) e pelos relatos de várias testemunhas (sobretudo dentro do processo que se segue ao assassinato da atriz) como um sujeito ao mesmo tempo honrado, leal e fiel aos preceitos da carreira militar que escolheu e obcecado pela paixão que atravessou sua trajetória, Sosnóvskaia é apontada como uma mulher desapagada de seus amores (chegando a ser cruel ao abandonar vários deles sem motivo) e devotada a sua arte,  bem como uma pessoa fascinada pelo espectro da morte, como lemos em seu diário:

"Hei de escolher para mim um bela morte. Alugarei um quartinho e mandarei forrá-lo de crepe. Deverá haver música tocando do outro lado da parede, eu me deitarei num modesto vestido branco, rodar-me-ei de flores sem conta e o seu aroma me matará. Oh, como será magnífico!" (p. 183).


À medida em que o leitor vai avançando na tentativa de recompor, pelos fragmentos que Bunin disponibiliza (cartas, processos, diários, reportagens), o que aconteceu, também se aventura na tentativa de compreensão da psicologia que está por detrás do ato radical perpetrado por Ieláguin contra Sosnoskáia. O desfecho da novela traz a confissão final do tenente sobre o que de fato ocorreu no quarto da casa em que ele e a atriz se encontraram na noite fatídica. Assim como está posto deste o início, não restam dúvidas de que Ieláguin matou a amante. No entanto, as razões expostas por ele, que se insinuam aqui e ali ao longo do texto, ganham potência quando enunciadas por sua própria voz diante do público que o ouve assombrado no salão do júri. Mais que potência, ganham verdade. 

Uma verdade, porém, que não ganhará o crédito total do leitor, pois ainda que julguemos entender porque ele atirou no peito de sua amante, ficamos sem saber (aliás, Bunin não inclui a sentença do juiz ao final da narrativa) se o motivo, embora justificável, seja de fato justo. Explico-me: assim como o Raskolnikov de Crime e Castigo julgava saber exatamente porque havia matado a sua senhoria, Ieláguin também foi capaz de enunciar claramente as intenções por detrás do tiro disparado contra Sosnoskáia. No entanto, ambos seguiram (como nós seguiremos) torturados por essa pretensa clareza de razões que, em confronto com a racionalidade, expõem na verdade o desvario dos sentimentos não-racionalizados que, ao fim e ao cabo, estão por detrás dos atos de ambos. 

Nesse sentido, é inegável o parentesco entre a novela de Ivan Bunin e a narrativa clássica russa, tal como lemos na exposição de motivos da Academia Sueca para o Nobel dado ao autor. Assim, a duplicidade entre a arte e a atração pela morte apresentadas pela personalidade da Sosnóvskaia, bem como a tortura pela qual Ieláguin se vê obrigado a passar, entre a lealdade a seus valores e a loucura de sua arrebatadora paixão, fazem desta obra uma vizinha bastante próxima das narrativas de Tchekhov, de Turgueniev ou mesmo de Dostoiévski, autores com quem Ivan Bunin, sem superar artística e tematicamente, pode claramente figurar em certo grau de igualdade. Sem ser o maior autor russo da transição do século XIX para o XX, ele representou dignamente a literatura daquele país quando foi escolhido como seu primeiro autor a receber um Prêmio Nobel.

Jorge Verly

Referência da leitura: BUNIN, Ivan. O Processo do Tenente Ieláguin. In: Amor de Mitia e outras obras. Trad. de Boris Schnaiderman. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1973, p. 153-210. 

terça-feira, 9 de julho de 2019

Um amigo de Kafka, de Isaac Bashevis Singer




Olá,


Em 1978, o laureado com o Prêmio Nobel de Literatura foi o escritor judeu Isaac Bashevis Singer (1902-1991), nascido na Polônia e radicado nos Estados Unidos. Na exposição de motivos para a atribuição do prêmio da Academia Sueca lemos que ele o recebeu "por sua apaixonante narrativa artística que, com suas raízes na cultura tradicional polaco-judaica, traz a condição universal e humana para a vida". Foi até hoje o único autor que escreveu basicamente em iídiche a receber o Nobel. Vasta e composta de romances, contos e narrativas de caráter memorialista, a obra de Isaac B. Singer é conhecida e traduzida no Brasil desde os tempos de sua fama mundial em razão do reconhecimento pela Academia Sueca. Seu livro mais conhecido é o romance Sombras sobre o rio Hudson, publicado no Brasil pela Companhia das Letras e que se debruça sobre a temática dos judeus emigrados nos Estados Unidos, sobretudo na região de Nova York. Manhattan é, aliás, o cenário preferido das narrativas de Singer, onde judeus, mais uma vez exilados e errantes, tentam algum tipo de reconstrução (ainda que precária) da vida pós-Shoah. 


Como leitura da obra do autor elegi o volume de contos Um amigo de Kafka (1970). São 21 narrativas, algumas delas breves, outras mais longas, mas todas igualmente construídas como reflexões sobre a existência humana do ponto-de-vista da condição judaica.

Tomo como exemplo o conto "A cafeteria", no qual vemos Aaron, um famoso escritor judeu há vários anos radicado em Nova York (certamente um alter ego do próprio Singer) e que tem como passatempo uma "turnê" pelas cafeterias da cidade, especialmente as que abrigam outros velhos judeus da Big Apple. Numa ocasião, nota que uma jovem judia, Esther, parece muito à vontade entre os velhos, muitos deles às portas da morte. Interessando-se pela estranha figura, passa a cortejá-la e, depois de alguns contatos, ela o convida a conhecer seu apartamento, onde vive com pai, Boris , um velho judeu que perdera as pernas em virtude de um enregelamento após a libertação de um campo de concentração. A existência de Esther, que sobrevive modestamente como operária de uma fábrica de botões, parece guardar um segredo ligado àquela cafeteria. Algum tempo depois, ela desaparece da vida do narrador:

"Convidara Esther para jantar, mas ela ela ligara para dizer que estava gripada e precisava ficar na cama. Poucos dias depois surgiu um problema que me fez viajar para Israel. Na volta, parei em Londres e Paris. Quis escrever para Esther, mas perdera o endereço. Quando voltei a Nova York, tentei me comunicar com ela, mas o nome de Boris Merkin ou de Esther Merkin não constavam na lista telefônica: o pai e a filha podiam ser inquilinos do apartamento de outra pessoa. As semanas se passaram e ela ela não apareceu na cafeteria. Perguntei ao grupo por ela; ninguém sabia onde estava." (p. 88)

Passadas algumas semanas, ela reaparece novamente na cafeteria, ainda mais carregada de mistérios. Para então sumir outra vez. Arma-se um jogo de gato e de rato e que não demora a cansar o escritor, que passa a evitar a companhia e as conversas com a jovem, sempre permeadas por enigmas, pausas, silêncios e uma certa dose de neurose e loucura, atribuídas por Aaron à experiência do Holocausto. É então que um fato inesperado se dá: a cafeteria sofre um incêndio e resulta destruída. Os emigrados se dispersam por várias outras cafeterias da cidade, retomando seus colóquios de dor e de rememoração. É então que Esther reaparece: ela telefona a Aaron e pede urgentemente um encontro. Depois de relutar, ele cede e o que a jovem narra parece inacreditável: na noite do incêndio ela jura ter passado pela cafeteria e, encontrando a porta aberta, ter entrado e visto Hitler e seus oficiais sentados a uma mesa, confabulando novamente contra os judeus. Espantado, ele pergunta se aquilo não seria uma espécie de alucinação, comum para quem passou por tantos traumas. Ofendida, Esther desaparece outra vez. Aaron esquece o assunto e, tempos depois, reencontra um velho amigo em comum que lhe comunica o suicídio da moça. Assim como o narrador, nunca saberemos o que de fato ela viu, bem como não descobriremos se foi a jovem a autora do incêndio na cafeteria, talvez na esperança de, outra vez, livrar o povo judeu de seu maior flagelo.

Mas não são apenas os elementos trágicos da experiência judaica que contribuem para a relevância do livro. Em muitos de seus contos está presente também o célebre dado do humor judeu que, valendo-se do destino do povo de Israel, procura filtrá-lo pelo prisma da crítica, da auto-indulgência e do chiste. Nessa linha, podemos dizer que autores como o brasileiro Moacyr Scliar são herdeiros diretos e fecundos da prosa de Singer. Um dos exemplos é o conto "A chave", em que encontramos a velha e desconfiada Bessie Popkin que, viúva e morando num apartamento decrépito e alugado na Broadway (embora dona de uma considerável fortuna deixada por seu falecido marido, Sam), considera cada saída de casa uma expedição a um mundo inimaginável e perigoso e contra o qual seu lar é o mais seguro dos refúgios. Numa dessas escapadas, dessa vez ao supermercado, Bessie observa os ruídos, a sujeira e a excentricidade dos transeuntes que  maculam as ruas de Nova York, cidade que lhe parece cada vez mais hostil e ameaçadora:

"Bessie raramente se afastava mais de dois quarteirões do seu prédio. A rua entre Broadway e Riverside Drive dia a dia se tornava mais barulhenta e suja. Bandos de moleques corriam seminus. Homens morenos de cabelos crespos e olhos desvairados brigavam com mulherzinhas cujos ventres estavam sempre inchados de gravidez. Discutiam em vozes matraqueantes. Os cães latiam, os gatos miavam. Irrompiam incêndios e chegavam carros de bombeiros, polícia e ambulâncias. Na Broadway, as velhas mercearias tinham sido substituídas por supermercados, onde se precisava apanhar os alimentos, colocá-los num carrinho e se postar numa fila diante do caixa." (p. 46)

No supermercado, tudo lhe parece uma aventura perigosa: não entende os preços, fica indecisa entre as muitas marcas e se atrapalha na fila do caixa. Ao voltar para casa (o refúgio), acontece o tão temido encontro com a tragédia: a chave se parte no segredo da fechadura. Desconfiando dos vizinhos e do porteiro, resolve sair para buscar um chaveiro. Cai a noite e Bessie vaga por Nova York, desolada e certa de que seu fim chegara. Refugiada nas escadarias de uma igreja, ela passa a madrugada em companhia de um gato que se aninha a seu colo. É ele a primeira criatura que, em tempos, é gentil com Bessie e ela inicia, a partir dali, um processo de desconstrução da cidade e de seus "perigos". O dia amanhece e ela retorna, incólume, para casa. Lá, descobre que as pessoas se preocuparam com seu infortúnio: o porteiro, zeloso, abre a porta com a chave mestra e uma vizinha aparece com as compras que ela largara no corredor e que a boa alma guardara em sua própria geladeira. Exausta, mas reconciliada com a bondade das pessoas, ela se deita e sonha com o finado marido que, no Paraíso, lhe diz não ser necessária chave alguma para entrar ali, bastando dizer "boa sorte", na singela conclusão do conto. Ora, para além de seu aparente tom de fábula moralizante, é o humor que se sobressai na narrativa, pois as descrições de uma Bessie sovina, racista (ela estremece quando um negro se aproxima na noite), desconfiada em relação à modernidade e suas dinâmicas e renitente para com os vizinhos são um dos elementos centrais da construção narrativa da história contada por Singer. Além disso, a "vingança" do real em face dos preconceitos da personagem, i. e., os cuidados do porteiro e da vizinha, além da noite segura que passa na rua, servem como crítica ao estereótipo criado em torno da figura do judeu - e de um modo inverso, pois é ela (e não o leitor) que se vê obrigada a uma revisão de conceitos. 

Além de permitir um novo e divertido olhar sobre os estereótipos, o humor no livro está atrelado a várias outras temáticas, tais como: o fantástico, como em "O limpador de chaminés", no qual um homem, ao cair de uma chaminé que limpava, passa a adivinhar o futuro, despertando a ganância da sua aldeia no fito de lucrar com maravilhoso evento; a desilusão amorosa trazida pela velhice, como em "Dr. Beeber", a história de um velho e paupérrimo literato que no fim da vida casa-se com uma rica judia que, dando-lhe do melhor, sufoca-o ao querer fazer dele um gênio, motivo pelo qual retorna resolutamente à pobreza anterior: o dramático, como em "O destino", em que uma mulher (viúva, abandonada pela filha e mordida pelo cão de estimação que tanto mimara) declina do amor que surge inesperadamente em sua vida usando a desculpa de que seu fado é a infelicidade; a vida literária, como no conto que dá título ao livro e no qual encontramos outro pobre literato judeu (uma personagem recorrente nas narrativas do livro) que, buscando arrancar vantagens dos que cruzam seu caminho, conta sempre as mesmas e divertidas histórias, como da vez em que levara o autor de A metamorfose a um bordel, do qual ele fugira horrorizado. 

Em resumo, os contos de Um amigo de Kafka resultam num dos momentos altos da narrativa judaica no século XX, valendo-se de uma rica imaginação narrativa, dos elementos disponíveis na pós-modernidade (sobretudo a ironia) e da consciência de que a vida dos judeus deste século, mesmo que açoitada pela maior das barbáries contemporâneas, prossegue e pode ser descrita pelas tintas alegres de seu humor que, nem sempre fazendo rir, fornece algum alento a um povo tão castigado.


Jorge Verly


Referência da leitura: SINGER, Isaac Bashevis. Um amigo de Kafka. Trad. de Lia Wyler. Porto Alegre: L&PM, 2008. 

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